quinta-feira, novembro 20, 2008

O Natal de Suzana - IV

O celular, com aquele jazz eletrônico ruim e estridente, tocou. No caminho para atendê-lo, Suzana deparou-se com um espelho. Incapaz de resistir, ficou ali mesmo, analisando sua imagem, esticando a pele em volta dos olhos. Ela já estava com cara de filipina, herança da operação n. 37, mais uma esticada e ficaria com cara de chinesa.

- Em homenagem às olimpíadas – pensou.

Entreteve-se ali esticando onde podia, e avaliando o resultado. Afinal, já que seu ex-marido estava cogitado pra ser a capa da G Magazine de janeiro, tinha que parecer mais jovem, pois seria certamente a capa da playboy de fevereiro.

O telefone continuava tocando. Ela ignorava.

- Aquele safado – pensava ela enquanto puxava a pele debaixo do braço. - Bem que a Luma me avisou pra não ter treta com militar. Esse povo tá acostumado a vestiário cheio, ordem unida, sei lá. Era mesmo questão de tempo pra ele me trair. Ou sugerir sexo grupal. Sexo. Logo eu que nem sei mais onde está minha perseguida (herança da operação n. 95). Ainda bem que na operação 59 eu mandei colocar meu canal urinário na ponta do dedão do pé. É muito mais prático e elegante pra fazer xixi.

A cena logo vem à mente: ela, de vestido tubinho, com um pé em cima do vaso, as mãos apoiadas na cintura, o queixo pra cima, olho no infinito e, olimpicamente, deixando cair...

- Pena que às vezes me confundo com os pés. Dá uma trabalheira pra limpar o sapato.

Certa vez, um fotógrafo colocou um banquinho a sua frente e pediu para fazer justamente essa pose. Ela não conseguindo segurar mais (esfíncter solto. Resultado da operação n. 43), mandou ver. O fotógrafo, entre admirado e enojado, percebeu a chance de ouro. Iria publicar a foto se ela não lhe desse certa quantia. Ele matou o fotógrafo, escondeu o corpo e ainda escolheu a foto que gostava mais e enviou pra Caras.

O celular parou de tocar, coincidentemente quando ela decidiu que tinha que fazer mais uma operação. Ligou pro cirurgião e perguntou quanto ela rejuvenesceria caso se esticasse mais um pouco.

- Uns vinte minutos – respondeu o cirurgião.

Ela marcou horário.

(Eu!
É! Eu!
Túlio!)

4 comentários:

Anônimo disse...

O celular tocou novamente. Pouquíssimas pessoas sabiam de seu novo número, que ela havia trocado por questão de segurança. Devia ser importante.

Era sua assessora de imprensa. Com voz embargada, a fiel escudeira disse que seu ex foi visto no aeroporto, em companhia da fulana que tinha dito uns dias antes no Superpovo que tinha família, que seus pais olhavam por ela e que nunca mais queria olhar pra cara dele.

Suzana, ao ouvir isso, fez aquele olhar 3:05 h, cheio de rímel, sem mover um músculo, como que dizendo "deixa estar". Desligou na cara da assessora e disse:

- Filomena!

- Sim, dona Susa...

- Mande o Expedito preparar o carro que eu vou sair. Pega minha bolsa - disse, se vestindo e se ajeitando dentro do sapato.

- Mas, e a manicure, dona Susa?

- Liga e desmarca. Preciso sair.

[...]

- Expedito, toca pro shopping. Preciso comprar enfeites de Natal para os meus netinhos e um fio-dental pra mim.

Câmera em close: Susana, no banco de trás, faz seu olhar 3:05 h novamente.

Fábio Mayer disse...

pô...eu ia continuar o capítulo e a Lets me cortou...ehehehe... agora perdi o mote!

Fábio Mayer disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
TOM PAIXÃO disse...

Expedito, como o próprio nome, era expedito. Mais que depressa acabou de encerar os bancos de couro da Pajero preta -"a preferida do doutor Marcelo". Da porta da garagem, acenou para a governanta Filó, dizendo com gestos que o carro estava pronto. Desde o infausto acontecimento em sua vida amorosa que Suzana tinha se tomado de amores pela suv. Bebia que só uma prostituta, a suv, não a Suzana, mas ela nem aí. Mandava encher o tanque, dava duas voltas no Lebron, como dizia Expedito e toca abastecer de novo. Claro que os empregados todos faziam suas contas e chegavam à conclusão que a gasolina era bem mais barata que o "doutor Marcelo". E riam, à socapa. Pronto o carro, lá foi Suzana. Bolsa Channel Four enorme, saia godê da Bitch Scat, sapatos Tereza Edilene Neuza, e uma camiseta preta básica DASPU. Um foulard no pescoço - onde mais?-arrematava e dava um ar senhoril à ela. Queria usar óculos escuros mas o que ela gostava, um Doce Cabana com apliques de ouro, era o mesmo que a nova namorada de seu ex-marido estampaava nas fotos das revistas. "Só que o meu é original", pensou, maldosa. O enorme e poluidor veículo manobrou nos jardins, Expedito sorria, aquele sorriso tipo botox de empregado capacho, quando passou pelos grandes portões. Suzana conferia os cartões enquanto dizia em qual shopping queria ir:"aquele na Barra, perto de onde o Ronaldinho comeu os viados"! Riu alto de sua própria piada. Expedito riu mais ainda, esbirro e sabujo. Quando o carro surgiu, parando naa frente da Pajero, quase nem viram. Era um Fiat Palio ano 96, de duas portas e sem direção hidráulica ou ar condicionado. A porta do passageiro se abriu.